A lei contra a mulher

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

O texto acima consta do preâmbulo da Constituição Federal brasileira, conhecida como carta cidadã, promulgada em 1988, por nossos parlamentares reunidos em assembleia nacional constituinte.

Em seu art. 1º, prevê a Carta Magna:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(…)

III – a dignidade da pessoa humana;

Já no art. 5º, impõe-se como princípio:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:

(…)

III – ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

(…)

XLVII – não haverá penas:

(…)

e) cruéis;

Temos acompanhado que parte dos membros do Congresso Nacional, diga-se, predominantemente ocupado por pessoas do sexo masculino, querem criminalizar o aborto realizado por mulheres vítimas do delito de estupro, se for realizado após a 22ª semana de gestação, impondo-lhe reprimenda corporal equiparada ao do homicídio.

Explicando com mais clareza, pretendem alguns Deputados e Senadores que a mulher estuprada, que, por conta da inaceitável violência sexual sofrida, venha a engravidar, em caso de interromper a gestação, praticando aborto, após a 22ª semana, deverá responder a processo penal e, se condenada, presa por até 20 anos de reclusão, reprimenda essa, ressalte-se, maior do que a que pode ser imposta ao seu algoz estuprador (art. 213 do Código Penal, pena de 6 a 10 anos).

Como advogado militante na área criminal, sem pretender estabelecer discussão política, religiosa ou moral, sem pretender discutir o retrocesso e demagogia da medida, sem pretender trazer os números que mostram, por exemplo, que a maioria das vítimas de estupro é constituída por crianças e adolescentes, posso afirmar com muita tranquilidade que o projeto de lei é absolutamente inconstitucional, não podendo ser imposto às mulheres brasileiras.

Qualquer lei, em nosso país, deve estar em absoluta harmonia com os princípios constitucionais em vigor. A mulher estuprada é a vítima, não é a criminosa. Criminalizar a vítima violentada sexualmente, por não desejar ter um filho de seu abusador, impingindo-lhe pena de prisão de até 20 anos de reclusão, como se homicida fosse, atenta contra o princípio da “dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III, da Constituição Federal), submete-a a “tortura” e a “tratamento desumano ou degradante” (art.5º, III, da Constituição Federal), e impõe “pena cruel” (art. 5º, XLVII, da Constituição Federal).

Caso esta aberração jurídica inconstitucional seja aprovada no Congresso Nacional, caberá ao Presidente da República vetá-la. Se não o fizer, a questão será submetida ao Supremo Tribunal Federal, guardião dos princípios constitucionais brasileiros, que, certamente, discutirá com a seriedade necessária o tema, dando a devida resposta legal e humana ao teratológico projeto de lei apresentado.

Alexandre Lopes | Advogado

 

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